Caso da Boate Kiss: familiares de vítima pleiteiam indenização e pensionamento

Caso da Boate Kiss: familiares de vítima pleiteiam indenização e pensionamento

A família da estudante universitária vitimada no incêndio da Boate Kiss entrou com uma ação contra o Estado do Rio Grande do Sul e contra o Município de Santa Maria, alegando que o Poder Público foi omisso em seu dever de fiscalização e controle dos estabelecimentos noturnos. Além de indenização por danos morais, os familiares da estudante pedem também um pensionamento no valor do salário-base da profissão para a qual a vítima estava se habilitando.

 

Boate Kiss: relembre os fatos

Ganhou repercussão internacional a notícia de que a Boate Kiss, que contava com licenças e alvarás vencidos, apresentava graves falhas de sua estrutura, e que, conforme os relatórios da Polícia Federal, eram de pleno conhecimento do Poder Público.

Tal situação configura a chamada culpa administrativa, em razão da negligência estatal, uma vez que era dever da Prefeitura de Santa Maria ou do Corpo de Bombeiros de fechar o estabelecimento. Essa falha na fiscalização permite a responsabilização do Estado pelos danos causados no incêndio aos particulares, em razão de falta ou mal funcionamento de serviço, no caso, a efetiva fiscalização da casa noturna.

A reparação dos danos na responsabilidade civil do Estado segue o mesmo princípio de reparação integral do direito privado, incluindo-se na conta os danos materiais (despesas de tratamento médico e o pensionamento em caso de invalidez ou morte) e os danos morais (indenização pelo sofrimento experimentado pela própria vítima, ou por seus familiares ou pessoas próximas por meio do dano moral por ricochete).

 

A solicitação de Pensionamento

O pensionamento é devido em situações em que uma pessoa que sofreu alguma ofensa (especialmente na forma de acidentes) se vê incapacitada ou prejudicada no exercício de seu ofício ou profissão. É reparação de dano material que não se confunde com lucros cessantes ou as despesas de tratamento, e o seu valor corresponde à diferença da remuneração que a vítima estaria recebendo, caso estivesse trabalhando em plena capacidade. O Código Civil Brasileiro traz previsão expressa do pensionamento:

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

A jurisprudência tem, desde então, estendido o pensionamento para casos em que a ofensa resulta na morte da vítima, sendo então uma fração do valor da pensão revertido aos familiares, partindo-se do pressuposto de que a vítima contribuiria com o bem-estar de sua família.

A morte de filhos menores também possibilita o pensionamento em favor dos familiares da vítima em valor mínimo, sendo o entendimento predominante de que os filhos ajudam os pais após alcançada a idade mínima para o trabalho. Caso a vítima estivesse se qualificando profissionalmente, o valor da pensão pode ser majorado para o equivalente ao salário-base da profissão referente à qualificação interrompida, a ser implementada após a data de provável término do curso (data estimada para a formatura).

 

Entenda o processo judicial

Os familiares e sobreviventes do incêndio na Boate Kiss, ocorrido em 27/01/2013, durante apresentação do grupo “Gurizada Fandangueira”, buscam, contra o Estado do Rio Grande do Sul e o Município de Santa Maria, a reparação por danos morais e materiais sofridos em razão da tragédia.

Esses pedidos foram motivados diante das conclusões resultantes de investigações da Polícia Civil, que apontam que houve negligência por parte da Prefeitura de Santa Maria e do Corpo de Bombeiros (Estado do Rio Grande do Sul) na fiscalização da casa noturna, permitindo seu funcionamento em condições inadequadas de segurança. Conforme as informações divulgadas pelo jornal Folha de São Paulo, a Prefeitura, que, em 19/04/2012, concedeu alavará de localização para a Boate Kiss, tinha conhecimento das irregularidades do local desde o ano de 2009, tendo inclusive realizado avaliação da boate por arquiteto próprio, embora não tivesse tomado nenhuma providência diante das falhas de segurança verificadas.

Considerando o porte da tragédia, que resultou em 242 vítimas fatais, as ações têm sido propostas contra a Prefeitura de Santa Maria e ao Estado do Rio Grande do Sul, visto que os proprietários, ainda que eventualmente condenados, não teriam condições de arcar com todas as indenizações.

Nos casos em que há conduta omissiva do Estado, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a responsabilidade civil é subjetiva, e tem resguardo na regra dos artigos 186 e 927 do Código Civil, devendo ser comprovada a relação de causalidade entre a omissão do Estado e o dano sofrido por aquele que pleiteia a indenização (o Estado deveria ter agido, mas não o fez). Essa é a hipótese da Boate Kiss, uma vez que a tragédia ocorreu pela não-fiscalização adequada do estabelecimento. A responsabilidade somente é objetiva, isto é, não depende de dolo ou culpa estatal, conforme previsão do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, quando o dever de indenizar tem origem no nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo ao particular.

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