Precatórios Judiciais, Emenda Constitucional N. 94 e a solução para a inadimplência pública

Precatórios Judiciais, Emenda Constitucional N. 94 e a solução para a inadimplência pública

A questão da inadimplência dos débitos judiciais pelas Administrações Estaduais e Municipais, tema que ocupa o espaço público por mais de duas décadas, recentemente recebeu tratamento constitucional que, aparentemente, se plenamente aplicado, colocará fim ao problema. Me refiro à Emenda Constitucional n. 94, promulgada em 15 de dezembro último, que, legislando solução traçada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI 4357, fixou prazo definitivo para o pagamento de todos os precatórios judiciais em atraso, estabelecendo o formato do parcelamento e as fontes de recursos para o cumprimento das regras postas. E mais, fixou formas de efetivação coercitiva dos repasses dos recursos necessários, bem como as penalidades aos chefes dos Poderes Executivos dos entes federados que não respeitarem as regras postas pela Emenda Constitucional.

 

Parcelamento de dívidas acumuladas

Quanto ao parcelamento da dívida já acumulada e a que se constituir até 31 de dezembro de 2020, restou fixado, pela Emenda Constitucional n. 94, que será mensalmente depositado, em conta especial do Tribunal de Justiça (com única e exclusiva administração do Presidente do Tribunal de Justiça), percentual da receita corrente líquida necessária a adimplir, até 31 de dezembro de 2020, a totalidade dos precatórios pendentes.

Afirma, neste aspecto, a novel regra constitucional:

Art. 100

§ 17. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aferirão mensalmente, em base anual, o comprometimento de suas respectivas receitas correntes líquidas com o pagamento de precatórios e obrigações de pequeno valor.

§ 18. Entende-se como receita corrente líquida, para os fins de que trata o § 17, o somatório das receitas tributárias, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de contribuições e de serviços, de transferências correntes e outras receitas correntes, incluindo as oriundas do § 1º do art. 20 da Constituição Federal, verificado no período compreendido pelo segundo mês imediatamente anterior ao de referência e os 11 (onze) meses precedentes, excluídas as duplicidades, e deduzidas: (…)

Art. 2º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 101 a 105:

“Art. 101. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que, em 25 de março de 2015, estiverem em mora com o pagamento de seus precatórios quitarão até 31 de dezembro de 2020 seus débitos vencidos e os que vencerão dentro desse período, depositando, mensalmente, em conta especial do Tribunal de Justiça local, sob única e exclusiva administração desse, 1/12 (um doze avos) do valor calculado percentualmente sobre as respectivas receitas correntes líquidas, apuradas no segundo mês anterior ao mês de pagamento, em percentual suficiente para a quitação de seus débitos e, ainda que variável, nunca inferior, em cada exercício, à média do comprometimento percentual da receita corrente líquida no período de 2012 a 2014, em conformidade com plano de pagamento a ser anualmente apresentado ao Tribunal de Justiça local.

§ 1º Entende-se como receita corrente líquida, para os fins de que trata este artigo, o somatório das receitas tributárias, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de contribuições e de serviços, de transferências correntes e outras receitas correntes, incluindo as oriundas do § 1º do art. 20 da Constituição Federal, verificado no período compreendido pelo segundo mês imediatamente anterior ao de referência e os 11 (onze) meses precedentes, excluídas as duplicidades, e deduzidas: (…)

 

Recursos necessários para o pagamento de débitos judiciais

Quanto aos recursos necessários para o pagamento dos débitos judiciais, a Emenda Constitucional n. 94 previu, além da utilização das verbas oriundas das receitas correntes líquidas, do orçamento, também a utilização de percentuais de depósitos judiciais e administrativos de feitos onde não apenas os Estados e Municípios sejam partes. Mas a mais substancial inovação foi a expressa previsão da possibilidade de contratação de empréstimos, por parte dos Entes devedores, sem que a estes sejam impostos os limites de endividamento previstos nos textos constitucionais e legais.  Afirmam os agora dispositivos constitucionais:

Art. 100

§ 19. Caso o montante total de débitos decorrentes de condenações judiciais em precatórios e obrigações de pequeno valor, em período de 12 (doze) meses, ultrapasse a média do comprometimento percentual da receita corrente líquida nos 5 (cinco) anos imediatamente anteriores, a parcela que exceder esse percentual poderá ser financiada, excetuada dos limites de endividamento de que tratam os incisos VI e VII do art. 52 da Constituição Federal e de quaisquer outros limites de endividamento previstos, não se aplicando a esse financiamento a vedação de vinculação de receita prevista no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal.

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

Art. 101

§ 2º O débito de precatórios poderá ser pago mediante a utilização de recursos orçamentários próprios e dos seguintes instrumentos:

I – até 75% (setenta e cinco por cento) do montante dos depósitos judiciais e dos depósitos administrativos em dinheiro referentes a processos judiciais ou administrativos, tributários ou não tributários, nos quais o Estado, o Distrito Federal ou os Municípios, ou suas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes, sejam parte;

II – até 20% (vinte por cento) dos demais depósitos judiciais da localidade, sob jurisdição do respectivo Tribunal de Justiça, excetuados os destinados à quitação de créditos de natureza alimentícia, mediante instituição de fundo garantidor composto pela parcela restante dos depósitos judiciais, destinando-se:

a) no caso do Distrito Federal, 100% (cem por cento) desses recursos ao próprio Distrito Federal;

b) no caso dos Estados, 50% (cinquenta por cento) desses recursos ao próprio Estado e 50% (cinquenta por cento) a seus Municípios;

III – contratação de empréstimo, excetuado dos limites de endividamento de que tratam os incisos VI e VII do art. 52 da Constituição Federal e de quaisquer outros limites de endividamento previstos, não se aplicando a esse empréstimo a vedação de vinculação de receita prevista no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal.”

Se Percebe, portanto, que o Congresso Nacional, pela Emenda Constitucional n. 94, fechou todas as portas para a justificação, por parte dos Entes Federados devedores, quanto ao inadimplemento de seus débitos judiciais em virtude de falta de recursos.

No caso do Estado do Rio Grande do Sul, onde é sabido que as receitas correntes líquidas já não dão conta sequer das obrigações mais básicas (como o pagamento da folha de salários) e os depósitos judiciais não mais servem de fonte de recursos para o pagamento dos precatórios já vencidos, a previsão da possibilidade de contratação de empréstimos para o adimplemento da dívida judicial afasta qualquer justificativa apegada à falta de recursos financeiros para o pleno cumprimento de suas obrigações.

 

Responsabilidade do Administrador Público

A “solução final” a que se propõem as novas regras constitucionais trazidas pela Emenda Constitucional n. 94 fica claramente delineada também pelas severas responsabilizações e limitações a serem impostas, tanto aos Chefes dos Executivos faltantes, quanto às próprias Fazendas Públicas, no caso de não cumprimento das determinações constitucionais.

Como se percebe das novas regras, o Chefe do Poder Executivo que não cumprir com o parcelamento responderá tanto pela violação da legislação de responsabilidade fiscal, quanto pela de improbidade administrativa. Ou seja, poderá perder seu mandato pela via do Impeachment ou do enquadramento na lei de improbidade administrativa.

Ainda, havendo descumprimento do parcelamento previsto para solucionar o inadimplemento das obrigações judiciais por Estados e Municípios, poderá o ente federado sofrer sequestro de valores bem como retenção de recursos referentes a repasses oriundos tanto da União, como dos Estados – no caso dos municípios.

Afirmam as normas:

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

“Art. 104. Se os recursos referidos no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para o pagamento de precatórios não forem tempestivamente liberados, no todo ou em parte:

I – o Presidente do Tribunal de Justiça local determinará o sequestro, até o limite do valor não liberado, das contas do ente federado inadimplente;

II – o chefe do Poder Executivo do ente federado inadimplente responderá, na forma da legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa;

III – a União reterá os recursos referentes aos repasses ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e ao Fundo de Participação dos Municípios e os depositará na conta especial referida no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para utilização como nele previsto;

IV – os Estados reterão os repasses previstos no parágrafo único do art. 158 da Constituição Federal e os depositarão na conta especial referida no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para utilização como nele previsto.

Parágrafo único. Enquanto perdurar a omissão, o ente federado não poderá contrair empréstimo externo ou interno, exceto para os fins previstos no § 2º do art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e ficará impedido de receber transferências voluntárias.”

Ao que se percebe de tudo acima referido, pode-se dizer que a Emenda Constitucional n. 94 cercou e fechou o problema referente ao inadimplemento dos débitos judiciais pelos Estados e Municípios, fazendo expressas previsões quanto a fontes de recursos para o pagamento, e nesta inovando quanto a possibilidade de financiamento da dívida, bem como estabelecendo severas consequências para o não pagamento.

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