Parasita, mas não o filme.

Parasita, mas não o filme.

Por Cintia Leticia Bettio

 

Há duas semanas, o Ministro da Economia, ao defender a reforma administrativa para resolver a situação de Estados que gastam mais do que arrecadam, comparou os funcionários públicos a parasitas.
Meu pai aposentou-se como funcionário da CEEE. Até hoje tem gente que liga para ele quando falta luz (cidade pequena). Meu pai subiu muito poste, lidou com eletricidade um bom período de sua vida. Lembro de festas de Natal, Ano Novo, aniversários, onde no meio das comemorações em noites de tempestade, ele era chamado para resolver a falta de luz, pois estava de plantão. Nós ficávamos com o coração na mão pelo trabalho perigoso, e frustrados com sua ausência.

Minha mãe é funcionária pública da Prefeitura Municipal cedida para o Estado há mais de trinta anos. Qualquer funcionário público estadual lotado em Nova Prata passou pelas suas mãos competentes lá na agência do IPERGS. Acredito que quem por ali passou percebeu o sucateamento e a precariedade dos instrumentos com os quais minha mãe trabalha. E eu sei o quanto ela se dedica para ajudar, para solucionar problemas. Observação: as pessoas ligam para a nossa casa fora do horário de expediente, pedindo atendimento.

Minha irmã é funcionária pública municipal, lotada em uma escola. Sei do amor que ela tem pelas crianças com as quais trabalha. Tenho várias amigas e parentes funcionários públicos, professores principalmente.

Esses são os parasitas do Ministro da Economia, que incham o Estado. É para esses funcionários que será feita a reforma administrativa. Ou você tem alguma ilusão de que esta reforma vai atingir quem realmente lesa a Pátria?

O banqueiro, avalizado pelo seu chefe, entende que precisa enxugar o Estado. E é apoiado por uma parte da população que comprou a ideia de que o servidor público é o problema: “não fazem nada e ganham muito bem”. Muitas dessas críticas vindas de quem, pelo menos uma vez na vida, encarou um concurso público.

Parece que o projeto de sucateamento da máquina pública, com o discurso de falta de verbas, de orçamento reduzido, e posterior ataque aos servidores como culpados está atingindo seus objetivos. Engraçado é que essa parte da população que defende o governo está defendendo, em seu lastro, o estado mínimo. Pois bem, em um estado mínimo, como o adotado pelos Estados Unidos, você não pode contar com uma rede de atendimento público como o SUS, por exemplo. Fique doente lá para saber a fortuna que você vai pagar. A maioria dos países da Europa também não tem um projeto de saúde pública. Você paga, e paga bem caro, para ter qualquer tipo de assistência. Agora imagina um País do tamanho e com a desigualdade econômica e social como o Brasil adotando o modelo do estado mínimo. Serviços que hoje são precários, seriam inexistentes. Já tem gente demais morrendo pelo descaso nesse nosso país rachado, segregado.

Post Scriptum: Eu fiz faculdade particular (bem cara por sinal) e não sou servidora pública. Ah, tenho plano de saúde do Estado, o IPE, do qual eu não tenho nenhuma reclamação.
Se você concorda com a opinião do banqueiro, tudo bem. Só não use mais serviços públicos. Use somente hospitais particulares, pague planos de saúde, escolas e faculdades particulares. Não dá para defender uma coisa e outra. Uma hora você cai do muro.

 

Publicado originalmente no Jornal Correio Livre – Edição 1.708 de 20/02/2020

 

Cintia Leticia Bettio é advogada e compõe a equipe da SMH Advogados.

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